Mandar e
comandar
Quando eu nasci, pelo que eu sei, quem mandava lá em casa, era o pai e o
vô Firmino. Pai era homem bravo, fala alta de fazer tremer a própria garganta. Já
o vô era manso e se a gente o obedecia era sempre por prazer e amor. Ele via o
pai e dizia que havia chegado o Emilio Medici, da ARENA, e que tudo mandava por ali.
Aos três anos percebi que se o pai ainda mandava em casa, quem mandava no
bairro era Seu Maroto, único dono de bolicho por ali. Mandava nos doces, nos
pães, na comida toda! Via muita gente entrando e saindo ali e percebia o
domínio dele. Porém, extraordinário mesmo na gerência de comandar proferiam ser
o Ernesto Geisel. Mandava no meu pai, no meu avô e segundo ele -
até em Seu Maroto... Já pensou num negócio desses? Era muito poder!
Aí eu entrei na escola e ouvi falar da diretora que comandava tudo ali.
Nessa época, o pai saiu de casa e ficou a mãe tomando conta. Tirando as
despesas, eu controlava tudo em casa. Era algo penoso e intenso ter tanta
responsabilidade, mas compensava o gostinho de saber quem mandava. A mãe só conseguia trabalhar e tudo correria por
minha conta: levar os manos ao médico, alimentá-los na hora certa e cuidar da
casa. E era assim, ela saía para o trabalho, como filha mais velha, eu conduzia a coisa e as coisas. Em
contrapartida, apareceu tanta gente acima de mim nessa categoria autoridade de comando... Uma tia, uma
vizinha que pedia para ir comprar um sal... Bem, isso foi quando o Bar do Seu
Zé chegou na vila e começou a ajudar
seu Maroto no comando do comércio e na divisão da freguesia, que só se
multiplicava. Seu Zé e D. Célia faziam-lhe concorrência com novidades aprazíveis
em seu bolicho-bar. Importante mesmo nesse negócio de mandar diziam que era o João Batista Figueiredo, e lembro-me que
quando tocava um certo som, qualquer criança já sabia que era o homem que
apareceria. Depois apareceu com uma de “Quero que me esqueçam”. Difícil.
Lá pelos meus 14 anos, comecei a entender
patrões a quem eu tinha de servir, aonde nem imaginava: meus irmãos que sempre
precisavam de mim, meus tios e vizinhos que chegavam e careciam de importância,
as plantas que necessitavam de água para beber, os animais de comida, etc. Muita
coisa aconteceu, ou era só eu, que começava a enxergar o mundo de outra forma?
Até a presidência, que deixava de ser dos militares passando para os civis. Dessa vez seria diferente-era o hino de
alegria do povo toda hora. Enquanto eu desejava muito vestir apenas as cores de
comando da moda: lilás, laranja e verde limão, as cores da bandeira estavam em
todo o povo, estampadas nos rostos brasileiros.
Agora, respeitável nesse interessante troço de mandar ouvia –se em
refrão: Tancredo. O pai e a mãe concordavam apenas em dois pontos positivos no
Brasil nos últimos anos: a vitória do Corinthians como campeão
Paulista em 77, depois de quase 23
anos sem títulos e, com o Brasil
todo, dizendo que homem como o popular e democrático Tancredo Neves nunca
haveria de existir. Sabe que eu acredito? É, acredito! Foi o primeiro político
que eu quase vi virar santo. Tancredo
Neves não pôde ser empossado e assumir a presidência por motivos de saúde e
faleceu depois de pouco mais de um mês da posse de seu vice-presidente, José
Sarney. Por conta dessa morte, muito se comentou: assassinato, crime político e
tantas outras conversas de hipóteses sérias e românticas. Por conta daquilo que
não se pôde viver, o povo suspirou, presumiu de quanto foi a perda. E o imaginário é sempre mais
forte que a realidade, quando é um lugar onde todos os sonhos se tornariam
–sonhadamente - realidade. Imaginar é algo de se gastar à vontade. E há a
vantagem de um sonho levar a outro...
Na maioridade, o mundo muda em alto grau, conseqüência da transformação
ocorrida em nossas cabeças. Se na adolescência a perturbação era por achar que
o mundo não me tirava os olhos, agora aja esforço e coragem para sequer ser
vista. Vivi intensamente o mundo fora de casa. Tive patrões e nada de absurdo
aconteceu por dever-lhes obediência. Trocava trabalho por dinheiro, o que é
muito justo. Alguém pagava para estar no comando e eu preferia receber. Eles tinham
o poder para ordenar, eu recebia para
satisfazer. É agradável e bonito ter dinheiro. É admirável poder pagar o formidável,
o descartável, e torná-los acessíveis através do trabalho.
Formidável foi o Fernando e isso ele conseguiu também através do
dinheiro. Tão extraordinário quanto o sorriso. Foi assim mesmo o Fernando: tão
bonito quanto o nome, quanto suas palavras, que combinavam com que um povo
sonhador precisava ouvir. Fernando foi um sonho. Um sonho real, que não quis
agradar a todos.
A mãe logo disse que era o quanto o achara formoso, isso era importante
num homem; iria votar nele e ele iria
ganhar. Que mulher desacredita de um homem lindo, que lhe cobre de promessas em
rede nacional, perante todo seu país? Até o pai, que nunca foi de achar homem
bonito me disse um dia lendo jornal, que aquele homem chegaria lá. Só não
pensei que fosse tão rápido. Prometia acabar com os desprezíveis marajás e dois
anos depois de eleito, incompreendido por muita gente e compreendido como
marajá, foi derrocado pelo povo. Por fora
bela viola, por dentro pão bolorento - Disse depois minha mãe com
insignificância. O Fernando foi afastado
pela Câmara dos Deputados e renunciou ao mandato. Então, menos bonito -
e creio menos barulhento - assumiu o vice Itamar Franco.
Planejei minha casa, meus estudos, arrumei no quê trabalhar, sonhei.
Presumir, imaginar e sonhar é saudável, realizar é concreto. Fizeram um plano
para o nosso país e tivemos que cair na real estabilizarmo-nos, o que foi
positivo e trouxe mais segurança para minha vida, enquanto consumidor
brasileiro. O homem que comandava dizia que sabia bem o que estava fazendo. Não
era um Fernando desses que passam prometendo tudo da vida. Era tipo um Fernando sério, entende? Ocorre que
acham sempre pouco tempo para arrumar a
casa apenas um mandato. Eu que o diga, o poder vicia, contagia. Acho que
qualquer forma de poder contamina e adultera, corrompe. Independente de caráter
reto ou desvirtuoso do poderoso da vez, acredita-se que apenas estando ali de
forma insubstituível é que as coisas acontecerão como devem acontecer. Com ou sem honestidade, independente de índole.
Ouvi tanta falação, suposições
novamente por vezes atinadas, por vezes sonhadoras. Um trabalhador, gente como a gente, alcançou seu
Lugar Lá, Lá! No pódio do poder! Sentimo-nos desafiados a
seguir nossos sonhos, tornando-os realidade, adaptando-nos às nossas dores. Realizei minha casa, meu pai se foi. Finalizei
meus estudos e tive que separar-me da família, indo morar longe. Imaginar e
sonhar é saudável, realizar é concreto.
Luís foi um sonho real,mas que
quis agradar a todos. E não mentiria se dissesse que agradou. A mim agradou! Por conta daquilo que se pôde viver, a nação suspirou, calculou de quanto foi a perda. E se doeu tanto, foi por conta do
imaginário, que é sempre mais forte e fácil que a realidade, um lugar onde
todos os sonhos se conceberiam reais.
Se por um lado há uma reserva de realidade, sonhar é por conta própria e
pode-se gastar a vontade.
Independente de onde se encontre uma pessoa, não basta obedecer, acatar. Tem
que satisfazer e respeitar. Hoje entendo que em casa eu apenas comandava, e que
mandar era algo penoso e irritante, de lentos resultados. Quem sempre manda,
quando não manda, além de fazer melhor, o resultado também é o mais perfeito.
Por isso os governantes viajam tanto e a nossa presidenta,com um estilo de
trabalho diferente, procura sempre mandar ela
mesma, para resolver certos assuntos.
Elizane Ramalho é do Mato Grosso do Sul, mas mora em Palmas – Tocantins,
desde 2006. É administradora e artesã do lindo Capim Dourado. Fez Pós-Graduação
em Educação de Jovens e Adultos. Mãe de quatro meninos e avó de 2 meninas, escreve
desde os 11 anos, mas nunca publicou. Tem paixões por texto com didáticas
gramaticais, pois acredita que o texto tem a missão encantadora de educar e
instruir.
Contatos: elizaneramalho@gmail.com