quinta-feira, 7 de março de 2013

Mandar ou comandar


Mandar e comandar

 

Quando eu nasci, pelo que eu sei, quem mandava lá em casa, era o pai e o vô Firmino. Pai era homem bravo, fala alta de fazer tremer a própria garganta. Já o vô era manso e se a gente o obedecia era sempre por prazer e amor. Ele via o pai e dizia que havia chegado o Emilio Medici, da ARENA, e que tudo mandava por ali.

Aos três anos percebi que se o pai ainda mandava em casa, quem mandava no bairro era Seu Maroto, único dono de bolicho por ali. Mandava nos doces, nos pães, na comida toda! Via muita gente entrando e saindo ali e percebia o domínio dele. Porém, extraordinário mesmo na gerência de comandar proferiam ser o Ernesto Geisel.  Mandava no meu pai, no meu avô e segundo ele - até em Seu Maroto... Já pensou num negócio desses? Era muito poder!

Aí eu entrei na escola e ouvi falar da diretora que comandava tudo ali. Nessa época, o pai saiu de casa e ficou a mãe tomando conta. Tirando as despesas, eu controlava tudo em casa. Era algo penoso e intenso ter tanta responsabilidade, mas compensava o gostinho de saber quem mandava. A mãe só conseguia trabalhar e tudo correria por minha conta: levar os manos ao médico, alimentá-los na hora certa e cuidar da casa. E era assim, ela saía para o trabalho, como filha mais velha, eu conduzia a coisa e as coisas. Em contrapartida, apareceu tanta gente acima de mim nessa categoria autoridade de comando... Uma tia, uma vizinha que pedia para ir comprar um sal... Bem, isso foi quando o Bar do Seu Zé chegou na vila e começou a ajudar seu Maroto no comando do comércio e na divisão da freguesia, que só se multiplicava. Seu Zé e D. Célia faziam-lhe concorrência com novidades aprazíveis em seu bolicho-bar. Importante mesmo nesse negócio de mandar diziam que era o João Batista Figueiredo, e lembro-me que quando tocava um certo som, qualquer criança já sabia que era o homem que apareceria. Depois apareceu com uma de “Quero que me esqueçam”. Difícil.

Lá pelos meus 14 anos, comecei a entender patrões a quem eu tinha de servir, aonde nem imaginava: meus irmãos que sempre precisavam de mim, meus tios e vizinhos que chegavam e careciam de importância, as plantas que necessitavam de água para beber, os animais de comida, etc. Muita coisa aconteceu, ou era só eu, que começava a enxergar o mundo de outra forma? Até a presidência, que deixava de ser dos militares passando para os civis. Dessa vez seria diferente-era o hino de alegria do povo toda hora. Enquanto eu desejava muito vestir apenas as cores de comando da moda: lilás, laranja e verde limão, as cores da bandeira estavam em todo o povo, estampadas nos rostos brasileiros.  

Agora, respeitável nesse interessante troço de mandar ouvia –se em refrão: Tancredo. O pai e a mãe concordavam apenas em dois pontos positivos no Brasil nos últimos anos:  a vitória do Corinthians como campeão Paulista em 77, depois de quase 23 anos sem títulos e,  com o Brasil todo, dizendo que homem como o popular e democrático Tancredo Neves nunca haveria de existir. Sabe que eu acredito? É, acredito! Foi o primeiro político que eu quase vi virar santo. Tancredo Neves não pôde ser empossado e assumir a presidência por motivos de saúde e faleceu depois de pouco mais de um mês da posse de seu vice-presidente, José Sarney. Por conta dessa morte, muito se comentou: assassinato, crime político e tantas outras conversas de hipóteses sérias e românticas. Por conta daquilo que não se pôde viver, o povo suspirou, presumiu de quanto foi a perda. E o imaginário é sempre mais forte que a realidade, quando é um lugar onde todos os sonhos se tornariam –sonhadamente - realidade. Imaginar é algo de se gastar à vontade. E há a vantagem de um sonho levar a outro...

Na maioridade, o mundo muda em alto grau, conseqüência da transformação ocorrida em nossas cabeças. Se na adolescência a perturbação era por achar que o mundo não me tirava os olhos, agora aja esforço e coragem para sequer ser vista. Vivi intensamente o mundo fora de casa. Tive patrões e nada de absurdo aconteceu por dever-lhes obediência. Trocava trabalho por dinheiro, o que é muito justo. Alguém pagava para estar no comando e eu preferia receber. Eles tinham o poder para ordenar, eu recebia para satisfazer. É agradável e bonito ter dinheiro. É admirável poder pagar o formidável, o descartável, e torná-los acessíveis através do trabalho.

Formidável foi o Fernando e isso ele conseguiu também através do dinheiro. Tão extraordinário quanto o sorriso. Foi assim mesmo o Fernando: tão bonito quanto o nome, quanto suas palavras, que combinavam com que um povo sonhador precisava ouvir. Fernando foi um sonho. Um sonho real, que não quis agradar a todos.

A mãe logo disse que era o quanto o achara formoso, isso era importante num homem; iria  votar nele e ele iria ganhar. Que mulher desacredita de um homem lindo, que lhe cobre de promessas em rede nacional, perante todo seu país? Até o pai, que nunca foi de achar homem bonito me disse um dia lendo jornal, que aquele homem chegaria lá. Só não pensei que fosse tão rápido. Prometia acabar com os desprezíveis marajás e dois anos depois de eleito, incompreendido por muita gente e compreendido como marajá, foi derrocado pelo povo. Por fora bela viola, por dentro pão bolorento - Disse depois minha mãe com insignificância. O Fernando foi afastado pela Câmara dos Deputados e renunciou ao mandato. Então, menos bonito - e creio menos barulhento - assumiu o vice Itamar Franco.

Planejei minha casa, meus estudos, arrumei no quê trabalhar, sonhei. Presumir, imaginar e sonhar é saudável, realizar é concreto. Fizeram um plano para o nosso país e tivemos que cair na real estabilizarmo-nos, o que foi positivo e trouxe mais segurança para minha vida, enquanto consumidor brasileiro. O homem que comandava dizia que sabia bem o que estava fazendo. Não era um Fernando desses que passam prometendo tudo da vida. Era tipo um Fernando sério, entende? Ocorre que acham sempre pouco tempo para arrumar a casa apenas um mandato. Eu que o diga, o poder vicia, contagia. Acho que qualquer forma de poder contamina e adultera, corrompe. Independente de caráter reto ou desvirtuoso do poderoso da vez, acredita-se que apenas estando ali de forma insubstituível é que as coisas acontecerão como devem acontecer. Com ou sem honestidade, independente de índole.

Ouvi tanta falação, suposições novamente por vezes atinadas, por vezes sonhadoras.  Um trabalhador, gente como a gente, alcançou seu Lugar Lá, Lá!  No pódio do poder! Sentimo-nos desafiados a seguir nossos sonhos, tornando-os realidade, adaptando-nos às nossas dores.  Realizei minha casa, meu pai se foi. Finalizei meus estudos e tive que separar-me da família, indo morar longe. Imaginar e sonhar é saudável, realizar é concreto.

 Luís foi um sonho real,mas que quis agradar a todos. E não mentiria se dissesse que agradou. A mim agradou! Por conta daquilo que se pôde viver, a nação suspirou, calculou de quanto foi a perda. E se doeu tanto, foi por conta do imaginário, que é sempre mais forte e fácil que a realidade, um lugar onde todos os sonhos se conceberiam reais. Se por um lado há uma reserva de realidade, sonhar é por conta própria e pode-se gastar a vontade.

Independente de onde se encontre uma pessoa, não basta obedecer, acatar. Tem que satisfazer e respeitar. Hoje entendo que em casa eu apenas comandava, e que mandar era algo penoso e irritante, de lentos resultados. Quem sempre manda, quando não manda, além de fazer melhor, o resultado também é o mais perfeito. Por isso os governantes viajam tanto e a nossa presidenta,com um estilo de trabalho diferente, procura sempre mandar ela mesma, para resolver certos assuntos.

 

 

  •  O texto acima reflete o dia-a-dia de uma família dos anos 70 até os dias de hoje e a suposta interferência dos governantes do Brasil em seu cotidiano.


 ·         Sobre a autora:

Elizane Ramalho é do Mato Grosso do Sul, mas mora em Palmas – Tocantins, desde 2006. É administradora e artesã do lindo Capim Dourado. Fez Pós-Graduação em Educação de Jovens e Adultos. Mãe de quatro meninos e avó de 2 meninas, escreve desde os 11 anos, mas nunca publicou. Tem paixões por texto com didáticas gramaticais, pois acredita que o texto tem a missão encantadora de educar e instruir.


 

Nenhum comentário:

Postar um comentário