sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Que assim seja



Ela nunca fez planos para quando se separasse.
Estava tudo pronto: as coisas dele arrumadas, sinal claro que ia mesmo embora. Fazia tudo calado, camisa por camisa, meia por meia... Antes ele dissesse algo, mas nem isso. Quer ver um homem deixar uma mulher péssima é ele calar a boca. Não tem coisa mais escandalosa e gritante que o silêncio masculino. Tentou em vão provocá-lo, tirar os bichos para fora, mas não teve jeito, parecia até haver calma naquele silencio agressivo...   

Para fugir daquela dor, pegou as crianças e saiu, a iludir-se de não fazer parte daquele momento. Não vê-lo ir seria como se não tivesse acontecido. Foi para a rua, choraram lá. Depois foi para casa da mãe, contou que estava se separando. Seu rosto tinha muita vergonha, falava como alguém que se desculpava. Ela sentia que havia falhado, casou para ser para sempre. Tinha planos de cuidar dele, dos filhos. Esse pensamento sempre a protegeu, era sua guarda. Tinha planos de ser esposa, confiava nele como um ser capaz de ampará-la e salvá-la das armadilhas, de mantê-la em segurança.   Mas agora era ex-esposa, era ela novamente a amparar-se.
Sentiu medo, dor, pavor. Tinha que voltar para casa,  para sua nova vida.
Ela nunca fez planos para quando se separasse. Sentia-se perdida e sem mapa. Tudo planejado, o que deu errado? O que seria dela, das crianças? Uma onda de pensamentos, ora absurdos e impossíveis, ora sonhadores e improváveis. Quanto mais se aproximavam da realidade, mais temorosos ficavam. Não encontrou saída, nem havia resposta para aquele momento.  Apenas um pensamento de exaustão se fixou, sem se dar conta: "que assim seja..."   
Chegou ao trabalho sorrindo uma dor alheia aos colegas, e por muitos anos, ninguém soubera dessa sua solteirice. Já de sua aflição e sofrimento nunca houve quem soubesse. O sorriso é um amo de disfarce humilde, que não reclama e nem lamenta o que não lhe foi permitido chorar. E que assim seja.

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